quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Impermeável

Eu tenho essa fantasia de ter aquele corpo esticado, relaxado ao lado do meu; e de receber carinhos daqueles lábios emoldurados por um distinto bigode. Entro na banheira pensando nisso, escorrego em meio a água de olhos fechados, a respiração presa numa tentativa falha de afogar meus pensamentos que ameaçam tornar-se sujos, sórdidos, ninfomaníacos. Sou interrompida por minha mãe, que invade o banheiro e traz em mãos algum tipo de máscara facial, argila mineral o que quer que seja; e sem demora vai espalhando a pasta em meu rosto, enquanto eu fico ali estática esperando alguma coisa acontecer. Ela sai e eu volto a mergulhar, molho o rosto e esfrego, tentando tirar a lama. Mas a sensação é de que ela já entrou em meus poros e se apropriou de mim. É incrível, ainda nem saí do banho e já me sinto mais suja do que quando entrei. Ligo o chuveiro e uso um bom tanto do sabonete líquido tentando sentir-me mais limpa, livre dos pensamentos que parecem me perseguir. Saio do banho, me preparo para deitar, puxo então a coberta e sinto repulsa ao ver as flores do colchão através do lençol gasto e amarelado do hotel. Uma vez deitada me pego analisando cada detalhe do quarto que por uma noite vai ser meu. Odeio os armários, as luminárias, a cortina, a roupa de cama e principalmente as paredes cobertas por tinta desbotada que hora é salmão, hora é verde. Puxo o Bukowski do criado mudo esperando esvaziar-me do presente, da fantasia, do quarto do hotel, mas o efeito é contrário à vontade. É tanta sujeira, tanto desejo que me vejo novamente fantasiando com tal bigode no quarto deste velho hotel. Então acrescento um bigode a Henry, personagem do livro e ele (o dono do bigode) se torna o Henry da minha história. Também sou eu, todas as mulheres que ele deseja ter; e toda vez que no livro ele as toca, eu me sinto tocada, amada, beijada. Cada vez que ele se cansa eu mudo, mas assim como no livro suas mulheres são todas uma, minha essência ainda é a mesma. Eu ainda sou a mesma. Enfim eu tenho os tais pensamentos que desde o início vinha tentando evitar. Mas tudo bem, estou ficando conformada de que certas coisas simplesmente não são possíveis de se limpar.

Um comentário:

Odran disse...

É...pensamentos como esses pra simular uma paixão intensa que deveria existir em nossas vidas.As vezes até fazendo consumir todo o dia, deixando de fazer coisas que deveríamos, mas não fazemos por ter aberto a porta para tal sonhar...enfim, belo texto =)